Amor em tempos de cólera

A leitora do mês de junho me havia pedido para falar sobre a espera de um amor. Será que vale a pena esperarmos tanto por um amor que um dia acreditamos e realmente o sentimos?

Me desculpe pela demora em falar sobre o que foi pedido, não quero justificar nada mas confesso que esse ano tem sido um ano de significativas mudanças e que pouco me sentei para falar sobre o amor sob um olhar de terceiro, mesmo porque tem sido um ano de questionamentos, enfrentamos e escrever para mim é um processo de elaboração e que também é alimentado por inspiração.

Falar de amor não é algo tão fácil, não que o amor seja algo difícil, mas é que o vejo como algo que atravessa nossas vidas de uma maneira que a palavra falta, o fôlego falta e somos tomados por algo que transcende o tempo é como se começássemos a ouvir de dentro para fora algo tão único e íntimo que tudo isso de certa maneira nos torna frágeis, entregues. Não há amor sem entrega e nem sempre isso ocorre dos dois lados e ao mesmo tempo.

Não sei se isso possa ter alguma relação com o contexto em que as pessoas vivem hoje mas ouço poucas histórias assim, de entrega. Aliás, histórias felizes parecem que não tem muito ibope. Mesmo porque as pessoas geralmente não observam a felicidade, a não ser que ela seja precedida de um sofrimento tão grande ao ponto de chocar.

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Dando uma situação de exemplo, imagine você entrando no carro de uma amiga porque vocês vão sair e você está com uma cara “meio assim”. Por ser sua amiga ela lhe pergunta: “O que houve?Que cara é essa?”. E você fala: “Nada não.”, mas ela pergunta novamente porque afinal de contas percebe que alguma coisa não esta legal. E ai a conversa flui, você acaba contando que não esta se sentindo bem com alguma coisa que a chateou e por ai vai.

Agora mudando um pouco o contexto. Se de repente algo de bom acontece e você está com uma cara boa, dificilmente uma situação desse tipo aconteceria. Poucos pensam na felicidade alheia ao ponto de dizer: “Nossa,que cara boa, o que houve?”

Poucos irão lhe parar para lhe entregar uma rosa e dizer o quanto você tem direito à beleza, à alegria. Parece que essas coisas parecem ser algo tão a parte de nossas vidas que todas as preocupações e situações do mundo acabam se sobrepondo aos pequenos possíveis momentos como esse.

No filme o amor é mencionado como um estado de graça e dizer que tudo que se passou foi uma ilusão, não deixa de ser algo confortante para o coração que não viveu o convite daquele amor. E esse foi o grande dilema do filme que gira em torno da historia de Florentino Ariza que ainda jovem se apaixonou perdidamente por Fermina Daza, porém ela não se rendeu a esse amor e o preço que pagou por isso foi o de passar a vida inteira ao lado e um homem e sempre ter a dúvida se realmente o que ela poderia ter vivido com Florentino seria amor ou não.  Essa situação também faz alusão ao título que fala de tempos de cólera. Além de cólera ser uma doença avassaladora, os conflitos internos podem ser de tão grande impacto que alimentam a cólera da alma, um sentimento de raiva.

Eu já amei, amo e confesso que independentemente de ser correspondido ou não o amor é só. Sinto que é algo que eu posso compartilhar, mas que parte de dentro de cada um e essa ação é algo que ocorre sem sabermos exatamente como irá se desenrolar, tanto que quando não somos correspondidos, choramos, pode não ser um choro concreto mas algo não parece no seu lugar, aliás, ficamos justamente em um não-lugar, estranho não ?

Mas entendo que o amor é algo que é por si só, não há como realmente defini-lo e qualquer tentativa de fazê-lo, mesmo que seja da melhor maneira possível implicaria em limitá-lo apenas à um belo texto.

A vida de Florentino Ariza passou e a de Fermina também, mas ele conservou ou foi conservado em si  em um sentimento que ansiava em ser vivenciado enquanto que dentro dela pairava a dúvida e usava da raiva como justificativa para que tudo fosse encarado como uma bobagem, sem importância. Mas o ser humano sofre pela dúvida e isso também marca a dimensão do que foi vivido por Fermina ao longo dos anos. Amar é também renunciar, Florentino renunciou todas as outras “n” possibilidades de amar durante a sua vida ao mesmo tempo em que Firmina renunciou à uma possibilidade de amor verdadeiro.

Entre as indas e vindas e da mistura de notícias das vidas de ambos passaram-se 54 anos, sete meses e onze dias e noites até que Florentino reencontrasse com Firmina depois que seu marido havia falecido.Com isso seu coração se sentiu realizado, de uma plenitude que somente a bela cena calma, serena e iluminada do entardecer poderia proporcionar. E então ele fez a confirmação do seu amor à ela.

Nesse tempo que passou ele sofreu e não podemos deixar de lado algo realmente concreto. A busca era dele e poderia ter terminado de outra maneira, sem o encontro, sem a declaração e mesmo que isso tenha ocorrido, foi uma busca pessoal, se isso foi válido ou não somente ele poderá dizer, mas o fato é que temos que ter o amor também como um amor próprio e uma compreensão da vida de modo que a não permitir que um sentimento venha a nos consumir e a comprometer nossa existência como sujeitos. Como diz a frase de Carlos Drummond de Andrade que “A dor é inevitável O sofrimento é opcional”

A leitora fez uma pergunta, até quanto tempo valeria a pena esperar por um amor? Mas como definir isso se o amor é atemporal, possui sua própria lógica e tempo, e isso é tão subjetivo que somente quem realmente ama sabe até onde pode ir…

Que todos tenham uma bela semana…

Amor em tempo de cólera

O Amor nos Tempos do Cólera
titulo original: (Love in the Time of Cholera)
lançamento: 2009 (EUA)
direção: Mike Newell
atores: Javier Bardem , Giovanna Mezzogiorno , Benjamin Bratt , Fernanda Montenegro , Catalina Sandino Moreno duração: 139 min
gênero: Drama

A música abaixo faz parte da trilha sonora do filme, com interpretação de Shakira.

Até mais!!

Márcio Oliveira

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Psicólogo, consultor de relacionamentos e quase Mestre pela USP-SP. Meio NERD, completo romântico, mas não abre mão de um intenso beijo na boca e um alinhamento entre coração, corpo e mente.

6 comentários No Amor em tempos de cólera

  • Olá Márcio!!Gostei bastante do texto (acabou com todo o mistério do livro que eu planejava um dia ler, mas tudo bem)!!Falou do amor de uma forma poetica, única forma de transmitir em palavras o que ele representa!Aqui (no blog), são dadas muitas “regras” sobre relacionamentos, mas o que de fato ocorre é um desenrolar de fatos que depende mais do que cada um daqueles que em um se encontrar e do que já vivenciou e pretende vivenciar!!Acredito que um grande amor pode esperar muito tempo, mas também existem vários potenciais grandes amores espalhados por ai, resta a sorte dizer se se vai encontrar um deles…Boa noite!

  • Escrever faz um bem danado pra alma Marcio.
    Comigo sempre foi assim.
    É por isso que o CM me faz tanto bem.
    beijuss 😛

  • 🙂

  • De nada Sara….escrever, como disse, dependendo do que for há de se ter um “q” de inspiração, aquela voz que fala quando nos silenciamos e somente agora foi possível escrever sobre isso. Igual ao meu blog, há tempos não escrevo mas sinto que é um momento de elaboração de muitas coisas e logo logo pinta um POST lá….rs…mais uma vez obrigado. Ahh e obrigado também Pathy,como sempre você sempre gentil…bjoss

  • Valeu a pena esperar pelo texto Marcio.
    Li o livro, vi o filme e fiquei imaginando se alguém consegue esperar tanto tempo para ter a pessoa que ama.
    Gabriel Garcia Marquéz consegue nos emocionar com a história de Florentino e você conseguiu fazer com que eu entendesse um pouco mais.
    Obrigada pelo presente.
    beijuss da sara 😛

  • Gostei de seu texto Márcio!

    O amor é atemporal, e cada um sabe quando deve parar de esperar, pois o amor também se cansa de esperar…

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