Ela estava há anos, há horas, por toda sua vida olhando para aquelas malas que tinham que ser feitas agora. Essa viagem havia sido marcada há décadas, chegara o momento de pegar o último trem daquela história.
Em seu quarto, duas malas, que deveriam ser organizadas com muito cuidado, não poderia esquecer nada. Vagarosamente Marjorie colocou na primeira delas todos seus projetos de vida, seus sucessos e fracassos profissionais, seus anos de estudo, todas as coisas que conquistou, recordações da sua família, momentos vividos no seu dia a dia, pessoas amigas que foram importantes e as que ainda são, um pouco de nostalgia de sua infância, suas crenças, seu amor a Deus, seus textos e versos, suas músicas preferidas, filmes que viu e marcaram sua existência, o amor por seu filho e por ela própria.
A mala ficou lotada, quase não conseguira fechá-la, mas tudo que estava ali Marjorie desejava levar consigo, para esse novo lugar, seria uma longa viagem, sem destino especifico, mas necessária para poder continuar tendo esperança em si mesma e na vida.
Na outra mala colocou seus erros, alguns que cometera em nome do amor, outros que cometera por não saber que a pessoa mais prejudicada seria ela própria, colocou as traições que sofreu durante a vida, as lágrimas que derramou, a dor profunda que ficou em seu coração por não conseguir esquecer, por não querer se livrar.
Nessa mala Marjorie arrumou um espaço para todas as mentiras que ouviu e pronunciou, essas ela não as queria mais, encheu de passado o extensor, apertou e fechou o zíper colocando um cadeado bem pequeno, mas forte para que dali ele não pudesse mais sair. Essas recordações deveriam ficar encerradas naquele compartimento para sempre. No lado esquerdo da mala, colocou os beijos, os toques, o cheiro de Enrique cabia em um espaço pequeno, o tempo que ficaram juntos fora tão curto, o tempo físico cabia ali naquele bolsinho lateral.
Foi ai que Marjorie respirou fundo para guardar o conteúdo mais profundo, com cuidado segurou em suas mãos o amor que sentia por aquele homem e cuidadosamente o pôs ali, um último olhar, uma última lágrima, todos seus sonhos, seus desejos de ser feliz, todos os anos de ilusão foram fechados vagarosamente, naquela mala que deveria levar também para a estação.
Fez o trabalho toda sozinha, não poderia pedir ajuda a ninguém.
A plataforma estava lotada de pessoas que não há percebiam, Marjorie não queria falar, não queria que vissem seu último momento de sofrimento, só precisava fazer uma coisa: pegar aquele trem.
Quando o apito anunciou a sua chegada, Marjorie olhou as malas ao seu lado, era uma bagagem pesada demais para continuar carregando sozinha. Decidida pegou a primeira mala que fez e subiu no trem.
Um segundo apito anunciou sua partida, na plataforma a outra mala.
O trem saiu lento, apitando avisando que naquela estação não ficaria mais.
Pela janela Marjorie pode ainda ver Enrique próximo à sua mala, mas já era tarde demais.
Ele perdera o último trem.
Sara Mel
14/04/2012
2 comentários No Marjorie em ” O último trem”
arrumar malas é sempre bom su…assim como esvaziar os armários, as estantes, e as caixinhas de recordação hehehe
Emocionante…gostei das malas hehehe…boa dica para fazer uma sessão de libertação hehe…lindo texto Ju…