Quando o trem começou seu movimento lento rumo àquela viagem tão esperada por Marjorie ela ainda nem tinha ideia das coisas que veria, dos momentos que jamais esqueceria e do imenso prazer que teria ao permitir-se pela primeira vez estar só consigo mesmo.
A opção de afastar-se de Enrique por algum tempo foi uma das coisas que deveria ter feito muito antes, o afastamento teria que ser real, físico e mental. E para isso aquela viagem vestiu como uma luva e ela agora poderia enfim ver a situação por outro ângulo.
A partida naquela tarde de inverno, o apito do trem, seu movimento lento, a visão de Enrique e a mala que deixou com ele ainda por algum tempo povoou seus pensamentos, a pergunta era apenas uma: O que Enrique faria com aquela bagagem tão pesada?
Esses pensamentos foram diminuindo aos poucos, e a medida que iam se enfraquecendo ela adquiria um vigor que há tempos não sentia.
As ondas lhe fizeram companhia naquela primavera toda, a areia molhada era um carinho diário e o sol agradável daquela nova estação fazia a menina que ainda existia naquela mulher aflorar. Surpreendeu-se lambendo os dedos depois de um delicioso sorvete, pulou de alegria ao ver por primeira vez um golfinho de perto, chorou de emoção quando numa noite toda estrelada pode deitar na areia e contar as estrelas.
Coisas tão simples que ela nunca mais havia feito, riso tão fácil, corpo tão leve, cabelos soltos ao vento, rasteirinha nos pés, pele levemente dourada pelo sol de Tramandaí.
Agora era hora de voltar, hora de retomar sua vida, hora de estabelecer limites e fazer acordos. Hora de rever Enrique.
Sara Mel
12/05/2012