O Amor

Assim como todas as coisas da vida, ou pelo menos a maior parte delas, boiar também tem um lado sentimental.

Tudo começa sem darmos lá muito bem por isso. Dizemos que não nos queremos afeiçoar a ninguém porque temos medo de sofrer. Mas, dizemos isso como mecanismo de defesa do ego. Na verdade, temos é medo de nos apaixonar. Adormecemos a pensar na pessoa e acordamos com ela no pensamento. Quando recebemos uma SMS relemo-la várias vezes e com um sorriso palerma no rosto. Ao responder temos o maior dos cuidados com o que vamos dizer. Temos sempre bateria e saldo no telemóvel. Se não temos, inventamos e passamos a ter.


Quando estamos com essa pessoa medimos muito bem as nossas palavras. Trocamos um prolongado olhar, como se não houvesse mais ninguém ali. E como é mesmo isso que queremos – que não esteja ali mais ninguém –, convidamo-la para jantar ou ir ao cinema. Ficamos nervosos. Existe o receio de dar o primeiro passo mas, inevitavelmente, acontece. E só acontece porque a paixão sobrepõe-se ao receio e à fraqueza. Por vezes acontece porque já bebemos uns copos a mais, mas no dia seguinte não nos arrependemos de nada. Acordamos numa cama que sabemos não ser a nossa. A almofada não é do mesmo tamanho e o colchão tem um conforto diferente daquele que estamos habituados. O cheiro do quarto não é o nosso mas é agradável e mais tarde vai nos fazer lembrar a pessoa que dorme ao nosso lado. Os barulhos da casa despertam-nos mas a ela não, e continua a dormir profundamente. Vamos à casa de banho e reparamos nos produtos de beleza ficando a conhecer um pouco mais os gostos dela. Quando voltamos ao quarto já está acordada e dizemos «Bom dia, dormiste bem?», e por mais ressacados que estejamos, sentimo-nos sempre bem.

Os próximos dias, como serão? Pensamos muito nisso, mais do que se calhar devíamos. Temos medo e pomos a hipótese que ela não tenha gostado. Ou que haja mais alguém com os mesmos interesses que nós. E por vezes, chegamos a considerar o que realmente sentimos. Porque não queremos magoar ninguém. Porque temos medo de estarmos verdadeiramente apaixonados. Porque não sabemos o que daí poderá surgir. Mas, quando menos pensarmos nisso, mais depressa vamos saber o que realmente sentimos e o que realmente queremos. E se realmente gostarmos dessa pessoa, quando damos por nós, queremos estar com ela cada vez mais. Se não a virmos por um ou dois dias já ficamos com saudades. E a partir daí, estaremos por conta um do outro, entregues ao amor. Partilhamos a nossa vida com ela e sentimo-nos bem por isso. E o que tiver de acontecer, simplesmente acontece.
Há dias em que boiamos na incerteza do amor, em que nos deixamos levar pelas ondas da maré e que queremos estar presos ao mar. Boiar nem sempre é mau. Sabe bem ter alguém que nos faça flutuar no infinito, que nos faça ver o outro lado do horizonte e que nos faça acreditar naquilo que nós somos.

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Pedro Lino

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6 comentários No O Amor

  • Tenho vivido isso, porem ele insiste em ficar na praia e tem profundo medo de amar!

  • Pedro Lino

    Fico contente que tenham gostado das minhas palavras 🙂

    Beijinhos,
    Pedro Lino

  • Incríveeeel, do começo ao fim!!
    “Adormecemos a pensar na pessoa e acordamos com ela no pensamento. Quando recebemos uma SMS relemo-la várias vezes e com um sorriso palerma no rosto. Ao responder temos o maior dos cuidados com o que vamos dizer.” Que graaaaande verdade, sorte tem quem consegue passar por essa fase e evoluir a relação. (L)
    Meus parabéns, Pedro! post incrível, incrível, incrível.

  • “que nos faça ver o outro lado do horizonte e que nos faça acreditar naquilo que nós somos”

    isso soa tão bom…
    lindo texto!

  • Excelente texto. Muito bom mesmo

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