Passado

Quando pensamos em passado, logo nos vem uma referência linear, algo que nos mostra um “antes” e um “depois”, mas sabemos muito bem que a criação do tempo cronológico como o conhecemos foi do homem, em uma tentativa de se organizar e também organizar a sociedade ou por que não seria controlar? Sinceramente, me questiono por que o tempo é tratado com certa frieza e desprezo às vezes. Digo isso porque muitas pessoas são escravas do relógio. Acordam logo cedo e no exercício do seu livre arbítrio, ao invés de olharem para o céu ou para a pessoa amada ou mesmo para si, olham para o relógio. Triste isso.

Questiono o porquê a Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT) permite jornadas de até 44 horas semanais, quem disse que isso seria o melhor para o Homem? Mas o que foi visto, quando estabelecida, foi o melhor para a tal economia. Com isso nos resta muito pouco tempo para outras coisas, isso quando não levamos a tira colo “n” situações, questões, estresse e decisões a serem tomadas sobre o nosso trabalho. Nesse sentido me recordo de uma velha frase: “O trabalho enobrece o homem.” Mas, enobrece mesmo?

Segundo o ultimo relatório da Organização Mundial de Saúde, há uma preocupação constante com relação ao aumento da incidência de transtornos mentais na população. Estima-se que em 2014 a depressão será a doença que mais causará incapacidade do indivíduo e hoje ela só perde o primeiro lugar para doenças cardíacas. A depressão, só pra ilustrar um pouco, é uma doença de causa multifatorial e que está relacionada principalmente a eventos de vida e em como o indivíduo lida com o que acontece com ele ao longo das suas experiências. A isso soma-se o desamparo afetivo, a falta de uma referência familiar legítima que tenha sentimentos bons para serem semeados, a não procura por parte da pessoa para se cuidar física e mentalmente.

Vasculhando o site do Ministério da Saúde, encontrei uma apostila gigante, onde estão relacionadas as doenças provocadas pelo trabalho. Logo pensei: “Perfeita desculpa para os que não querem trabalhar!” Mas o problema não está no trabalho em si, mas na forma como ele é imposto e enfiado na vida de muitos como a única forma de ganhar dinheiro porque afinal de contas isso é fundamental no sistema capitalista que vivemos. Gostar de algo e ganhar dinheiro com isso é outra história, é para quem procura…procura…muda de um lugar para o outro e não acha…ai de repente você fez uma faculdade, se formou em uma pós e vai trabalhar em uma área totalmente diferente porque afinal de contas isso lhe faz feliz, simplesmente. Será que algo está errado? Para onde vai tanta pressa por “progresso”, alias, há mesmo um progresso que possamos dizer humano?

Estou fazendo essa reflexão sobre o tempo para dizer que ele não existe, há somente as convenções que criamos para entender as coisas como um ontem, hoje e amanhã. Em termos de relacionamento isso acontece da mesma maneira e o problema ocorre quando essa coisa do tempo fica bagunçada e o que era passado deixamos afetar nosso presente e comprometer nosso futuro. Não há como esquecer o passado isso é fato porque mais do que passado, ele fez e faz parte da nossa história, somos hoje o resultado do que vivemos ontem. O que irá fazer diferença é como você lida com o que se passou da sua história.

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Relacionamentos que não deram certo, sejam de casais, de amizades ou entre familiares mostra não somente a importância de fazermos o exercício da compreensão como o quanto é imprescindível não deixarmos mal estares nos consumirem e coisas mal resolvidas dentro da gente. É importante darmos voz, cuidarmos do que se passa conosco, pois tem coisas que somente nós podemos encarar e lidar da melhor maneira para que o sofrimento seja o mínimo e que ele tenha um sentido de aprendizado na vida.

Os relacionamentos foram feitos para durarem o tempo que forem para durar, mas isso é tão difícil de aceitar porque o tempo de um amor, de uma paixão não é um tempo que contamos no relógio. É um tempo contado na vida, na intensidade dos momentos vivenciados. Podemos sofrer por não estarmos com quem queríamos, mas se realmente fizemos tudo o que podíamos e que por escolha da outra pessoa ou por causa de alguma fatalidade não estamos mais com ela, nos resta caminhar e entender que aquele tempo, de tantas coisas belas ficou marcado dentro de nós e nada impede que a partir do agora possamos criar e escolher viver tantos outros momentos que nos marquem de uma maneira especial, nem mais nem menos, simplesmente especial.

É fundamental entendermos também que amores ou paixões, aliás, relacionamentos não se comparam, dizer para alguém que está conosco que “Com Fulana(o) não era assim ou com Ciclana(o) não era assado” não acrescenta em absolutamente nada na nossa vida e nem na do outro. É preciso se libertar, nós nos libertarmos do que nos incomoda.  Mas é claro que comparações são inevitáveis, isso não é ruim desde que saibamos administrar esse fato dentro da gente ao ponto de não projetarmos experiências ou expectativas de relacionamentos anteriores na vida atual pois com isso armamos armadilhas para nós mesmos.

Em determinadas situações na vida, passamos por momentos que paramos e pensamos: “Não quero mais isso para a minha vida!”, só que o tempo passa e acabamos por repetir justamente a história que nos fez sofrer. Não é necessário um querer, precisamos mais que isso na verdade, é importante prestarmos atenção em nós e escolhermos caminhos que nos façam felizes, mas alguém pode me dizer, mas eu me apaixonei, meu coração que mandou em mim e não é para ser assim??? Claro, ouvir o coração é primordial, mas uma coisa é ouvir o coração, outra coisa é dar voz a algo que possa estar mal resolvido na nossa história e que nos faz caminhar para passarmos pelas mesmas coisas, problemas e sofrimentos. Dessa maneira, simples, eu digo que o cuidado conosco não deixa de ser algo mais que importante, mas de que cuidado estou falando? Do cuidado em termos sensibilidade, serenidade e realidade sobre os fatos que vivemos porque a compreensão nos traz calma e não sofrimento.

Ao passarmos por algo que nos fez sofrer, o mínimo que seria interessante fazer é a reflexão sobre qual o tipo de escolhas fizemos que o sofrimento se tornou real e concreto? Talvez esse seja um bom primeiro passo para que as dores do passado fiquem no passado e que a lembrança de algo ruim seja presentificada com outro sentido, um sentido que venha somar em nosso presente para um futuro mais maduro e feliz.

Certa vez, ouvi no Budismo que o apego nos faz sofrer. Não entendia muito bem no começo inclusive o que significava apego, até o momento que percebi o quanto eu sofria porque era apegado a certas coisas. Apegar-se é prender-se a algo que é do mundo, do universo, da vida. É não respeitar o fluxo da natureza que se apresenta como um eterno ir e vir, como a vida, o tempo, a felicidade, o sofrimento vem e vão. As únicas coisas que temos concretamente para dizermos que são nossas, são o nosso ser, o corpo e as escolhas. E se esse ser for contemplado com um olhar sobre si mesmo, encontrará uma longa estrada, mas uma estrada bela e sempre convidativa a conhecermos um pouco mais de nós.  E a partir daí, conseguiremos permitir que as coisas vão embora, inclusive as que nos fazem mal.

Psicólogo, consultor de relacionamentos e quase Mestre pela USP-SP. Meio NERD, completo romântico, mas não abre mão de um intenso beijo na boca e um alinhamento entre coração, corpo e mente.

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